Era uma vez uma sociedade em um país distante dos centros culturais e comerciais do mundo.

Esta sociedade tem uma marca distintiva das demais: sempre que se encara no espelho, diz a si mesma: sou pacífica.

Esta sociedade manteve escravizados por quase 400 anos, tendo sido uma das últimas a abolir a escravidão, o que o fez, mas não sem jogar às sarjetas, valas, mangues e morros, aqueles que serviam de força motriz para a economia estancieira da então monarquia.

Mas ela diz: sou pacífica.

Esta sociedade suprimiu revoltas e mais revoltas sem nenhuma reformulação social: silenciou os gritos com tiros ou prisão. Esmagou reformas agrárias com bala ou cooptação. Golpes: foram dados em profusão. Mulheres? Espancadas, violentadas e exploradas à exaustão. Mas a sociedade diz: sou pacifica.

Idosos e crianças? Os primeiros já têm sorte se conseguirem se aposentar e as crianças em alguns centros urbanos, já terão sorte se conseguirem deixar de ser crianças (vivas). Mas ela diz: sou pacífica.

Diz a lenda que ela não é racista, tampouco xenófoba, acolhe os estrangeiros, especialmente os refugiados, perseguidos por credo, etnia, orientação sexual, política ou cor de pele.

Mais de 50.000 pessoas morrem por ano no seu trânsito, cerca de 700 mulheres são espancadas diariamente, e cerca de 45.000 vidas são ceifadas todos os anos por assassinatos, muitos dos quais sem punição ao algoz, mas “ela” jura ser pacífica.

A mãe de Moise Kabagambe migrou ao Brasil acreditando neste juramento e perdeu o filho espancado por esta sociedade “pacífica”.

Ela seguirá ainda se olhando no espelho e acreditando ser pacífica?