O título é grosseiro, bruto, o tema é complexo, mas a sensação que todos educadores, pais e pensadores tinham parece ter se confirmado: estudo realizado em países nórdicos atesta: é a primeira vez em cem anos que o Q.I dos filhos é mais baixo que o dos seus pais.

Antes, algumas considerações sobre o subjetivismo do teste: a) o estudo escolheu a Escandinávia por ser um local com grande estabilidade há décadas, ou seja, sem crises econômicas muito graves, sem fome, com razoável grau de homogeneidade social e sem rupturas políticas; b) a medição de Q.I é uma avaliação contestada por alguns pesquisadores; c) o teste de Q.I é constantemente modificado, logo, os testes feitos pela nova geração são mais “difíceis” que os feitos pelos seus pais dentro de uma certa proporcionalidade.

Agora, uma consideração objetiva: é a primeira vez em cem anos que uma geração se sai no teste pior que a geração dos seus pais. Cabe agora à comunidade científica se debruçar sobre os testes e analisar os motivos que fizeram com que ocorresse este retrocesso no Q.I das crianças ou se até mesmo, o teste foi mal formulado.

Mas, alguns pensadores públicos já lançam balões de ensaio para tentar responder: afinal, estamos emburrecendo ou não como espécie? Parece claro, sim, podemos estar. Por quê? Uma das explicações reside na guinada abrupta que demos na forma de consumir informação: a humanidade se guiou pela imagem por quase 02 milhões de anos, quando, após criar as cidades e com elas, a escrita, ter se curvado gradualmente à cultura do texto. Da escrita cuneiforme da Suméria (cerca de 5000) anos atrás ao tipo de Gutemberg (cerca de 550 anos atrás) foi um processo lento, onde a maioria da população não lia ou escrevia, mas ainda assim, o processo de transmissão da informação se pautava pela utilização de textos, ainda que dominados por uma minoria aristocrática.

A palavra escrita demanda reflexão e passamos a ruminar nossos pensamentos, tanto quando escrevemos como quando lemos. O estudo de uma ideia escrita exige um processo bilateral: quem escreveu e quem lê, ambos estão interagindo. Quem lê não apenas recebe, mas contribui com parte de si para concluir algo quanto ao que fora escrito. Ou seja, hoje sabemos que ao criar a escrita, o ser humano não criou apenas um sistema que o ajuda a se comunicar, mas um sistema que o ajuda a pensar melhor.

Com a invenção da tipografia por Gutemberg, a palavra escrita se tornou acessível a milhões e depois, bilhões de pessoas. Da mesma forma que a escrita cuneiforme da Suméria dessacralizou a imagem, a tipografia dessacralizou a palavra escrita, que não pertencia mais apenas à aristocracia, mas ensejou que o conhecimento se tornasse disponível até aos não iniciados. Eis que no século XX surge a televisão e após ela, o aparelho de telefonia celular com telas, recursos para compartilhar vídeos, centenas de aplicativos etc.

A sociedade não se deu conta dada a imensa velocidade da informação, mas começou a gradualmente se curvar novamente à imagem. A palavra escrita vai se tornando menos consumida em processo muito bem descrito por Marshall Mcluhan (Os meios de comunicação como extensões do homem) e Guy Debbord (A Sociedade do Espetáculo) nos anos 60, Giovanni Sartori (Homo Videns: televisão e pós-pensamento) e Pierre Lévy (Cibercultura) nos anos 90, e em processo inversamente proporcional, a humanidade vai novamente se tornando imagética, como nossos tataravôs pré-históricos.

Os resultados são imprevisíveis: o consumo de imagem não é bilateral como o consumo de palavras escritas: quem lê, participa de forma ativa do processo de conhecimento e entendimento, ao passo que quem assiste, meramente reage ao estímulo.

Parte disso ocorre pelo motivo de que o universo da palavra escrita – na maioria dos idiomas atuais – é composto de quase 70% de palavras abstratas como liberdade, amor, ódio, democracia, dignidade etc. Como se observa, tais palavras praticamente não possuem carga imagética, o que confere a quem as utiliza um poder cada vez mais sofisticado de abstração, o que por seu turno, incrementaria a capacidade humana de criar.

Por outro lado, o universo das imagens não oferece praticamente nenhum grau de abstração: a “refeição” é servida pronta para consumo, praticamente de forma unilateral. Pode-se dizer que a informação transmitida palavra escrita demanda um receptor que terá que ser também interlocutor para que a comunicação seja concluída, ao passo que no mundo das imagens, o receptor será mero consumidor de estímulos. Essa posição inerte, passiva e catatônica é agravada pela quantidade assombrosa de estímulos e opções, o que torna o usuário das redes sociais e do mundo imagético praticamente um depósito de bits enviados pelo sistema.

Os indícios estão evidentes: quem tem filhos sabe. Aplicativos como TIK TOK contém recursos agora para que você assista em sequência, vídeos de no máximo 05 segundos e detalhe: você pode os avançar! Ou seja, reter a atenção de um jovem do século XXI por 05 segundos já se tornou um desafio!

Se reter a concentração de um jovem por 05 segundos para assistir a um vídeo desprovido de qualquer conteúdo educativo e formador de Inteligência já é árduo, o que podemos dizer sobre manter o foco desta geração para estudar e sorver conhecimento oriundo da palavra escrita? Os testes de Q.I são alicerçados em questões multidisciplinares de correlação, concentração, foco, objetividade, mas com algum grau de subjetivismo e não nos esqueçamos: demandam tempo e paciência para serem realizados.

São exatamente as características que as nossas disruptivas tecnologias estão mais tornando anêmicas. Não sou um profeta do apocalipse e sou fã desta nova geração: os considero mais sensíveis, cosmopolitas, amorosos e ambientalmente conscientes que todas gerações antecedentes. Mais que isso: eles não têm culpa da exposição a que foram submetidos.

Mas nós, adultos, temos.

Precisamos com urgência nos debruçarmos sobre os resultados destes testes para garantirmos que a tecnologia seja utilizada em prol da melhoria das capacidades das novas gerações e não, que como resultado de uma evolução material cega e randômica, nos torne criaturas ansiosas, desfocadas, maravilhadas com imagens, mas desprovidas das palavras apropriadas para descrevê-las.