Um intenso e antigo debate permeia o urbanismo: afinal, as cidades são eventos naturais ou não?

Para os mais ortodoxos, não: a cidade é meio ambiente artificial, afinal é um construto edificado pelo ser humano. Mas há quem discorde: não seria lícito questionar tal afirmação, se formigueiros, cupinzeiros e colmeias também são edificados pelos seus habitantes?
E se a cidade for uma vocação humana? E se ao invés da cidade ser um construto humano, o ser humano contemporâneo for, na verdade, um construto urbano?

Argumentos fortes existem, de urbanistas como Jane Jacobs até evolucionistas como Edward Wilson. Neste sentido, se a cidade e ser humano são ambos frutos da evolução e portanto, criações da árvore da vida, entender a cidade como processo multidisciplinar é essencial. A cidade surgiu em torno de 06 a 08 mil anos atrás como forma de proteção, especialização, colaboração e intensificação de trocas culturais e econômicas, mas jamais se manteve estática como organismo social. Passamos das cidades antigas da Suméria para as imperiais egípcias, destas para as democráticas gregas, retornamos às imperiais com Roma, vimos estas se esfacelarem no começo da Idade Média e florescerem novamente durante o Renascimento.

Atordoados com a revolução industrial, vimos o surgimento da cidade moderna, poluída, repleta de multidões e depois parcialmente domesticadas pela adoção das leis de zoneamento, inicialmente instituído em Frankfurt. Hoje, vivemos um período de interlúdio: nossas cidades ainda são parcialmente modernas e industrializadas, mas já estão com um ou os dois pés na pós-modernidade: a cidade dos serviços, ou como preferia o geógrafo baiano, Milton Santos, o território informacional.

Como serão as cidades do amanhã?

Alguns palpites já podem ser dados com base na observação da quarta revolução tecnológica, plenamente em andamento e que teve diversos estágios antecipados pela pandemia do corona vírus:

– é possível que caiam os preços de imóveis localizados em regiões centrais;

– é provável que imóveis mais espaçosos e horizontais, mesmo que mais distantes, sejam revalorizados, principalmente, porque mesmo em países desiguais como o Brasil, 01/04 da força de trabalho já consegue fazer home-office;

– com a crescente desvalorização dos automóveis e com a menor frequência de utilização por conta do trabalho remoto, é possível que os sistemas de compartilhar veículos sejam amplamente adotados e com isso, as vias urbanas passem a ter uma nova forma de utilização;

– ao mesmo tempo que temos cada vez mais megalópoles, há também um desejo amplo por cidades mais humanas e que sigam essas dimensões do sapiens, como defende o urbanista Jan Gehl;

– uma provável desvalorização dos espaços públicos fechados e um desejo pelo incremento de espaços públicos abertos por conta da pandemia. Esse processo já está sendo observado em NY e outras cidades do ocidente, onde as pessoas tem optado inclusive por se exercitar em locais arejados;

– uma vacância maior de lojas e imóveis comerciais por conta da adoção cadas vez maior do e-commerce, o que deve gerar nos comércios físicos uma busca cada vez maior por lojas menores e mais amigáveis ao meio ambiente;

Uma coisa é certa: ao superarmos a pandemia, teremos definitivamente abandonado o modelo urbano moderno e estaremos imersos completamente na cidade pós-moderna.