A entrevista de hoje do linguista @NoamChomsky_es ao jornal português @expresso é uma lufada de ar fresco, sóbrio e um lúcido apelo à paz aos EUA e UE na forma de compreender os motivos da Rússia na invasão da Ucrânia. É raro veículos europeus darem abertura à críticas tão contundentes aos EUA.

Claro que Chomsky condena a invasão e culpabiliza a Rússia como quem tomou a iniciativa. Mas sua visão está longe da rasteira que tem tomado conta da mídia europeia e brasileira. A Rússia ser a invasora e maior culpada, não exclui a culpa dos demais atores internacionais.

EUA & Reino Unido, como potências comerciais e marítimas que estão claramente optando pela política da zero negociação com a Rússia e ao mesmo tempo em que tentam cercar geograficamente a China na Ásia, são atores que contribuem para elevar as tensões ao invés de as suavizar.

E Alemanha, França e Itália acabam fazendo o papel de irmãos caçulas dos EUA, discordando em privado por razões principiológicas, mas concordando publicamente com Washington por razões práticas: o poderio bélico e econômico do tio Sam.

Como recorda Chomsky, enviar armas ajuda a resistência ucraniana, mas não melhora em nada as condições para um acordo. Ambas medidas podem ser feitas ao mesmo tempo, mas parece que EUA e Reino Unido estão mais interessados em tornar Kiev uma eterna vassala e enfraquecer Moscou.

A hostilidade com que Washington e Londres tratam Pequim é flagrante, sendo que a China é uma potência econômica que não tem nenhuma tradição militar ou bélica. Não espalha bases mundo afora, tampouco pratica guerras híbridas ou cerca nações rivais com mísseis.

A questão é simplesmente a de dominação geopolítica: os EUA jamais estiveram tão ansiosos com um adversário que é ao mesmo tempo o maior parceiro econômico. Sim, China e EUA mantém mais de 100 vezes o volume de negócios que EUA e URSS mantinham na Guerra Fria e por isso, uma guerra declarada e aberta entre as duas potências parece improvável, pois existem interesses privados muito grandes que suplantariam os interesses de Estado.

Por outro lado, a China já entendeu que os EUA não a respeitarão sem demonstrações de força. Os EUA, como Japão e antiga Alemanha ou a atual Rússia, são nações marcadas por forte ethos marcial, onde habilidades diplomáticas e mercantis devem estar acompanhadas pelo maior e mais tecnológico porrete disponível.

Justamente por isso, Pequim iniciou ofensiva junto à América Latina, tendo se tornando o major parceiro econômico destas nações da esfera de influência dos EUA, justamente para tentar tirar o foco de Washington da Ásia.

Vejam que a guerra da Ucrânia e a retirada do Afeganistão tem grande relação com a reorganização das tropas dos EUA, que ansiavam por colocar mais peças de xadrez na Ásia, robustecendo bases no Pacífico justamente para cercar a China.

Pequim, por outro lado, entendeu a lógica de cowboy de Washington e já sabe que só conseguirá manter respeitada a sua soberania e negócios rentáveis quando tiver uma marinha que realmente assuste os adversários e neste sentido, não romper com a Rússia é fundamental, visto que Moscou ainda é uma potência bélica mais imponente que Pequim e detém algo que os chineses não estão nem perto de ter: EXPERIÊNCIA.

E nós, cidadãos de países periféricos como Brasil, Argentina etc? Como ficamos.

O melhor para países que não são os grandes players é não selar nenhuma aliança irrevogável e unilateral e surfar neste novo mundo multipolar, uma espécie de revival da era dos Impérios de Eric Hobsbawm.