Desde o Impeachment de Fernando Collor de Mello, a verdade é que o Brasil gozou de relativa estabilidade política. Sofreu com solavancos econômicos, corrupção, prosseguiu sendo um país desigual, assentou menos gente à terra do que deveria, e não conseguiu dar na educação o salto que sempre almejamos.

Mas ainda assim, de Itamar, passando por FHC 1, FHC 2, Lula 1, Lula 2, Dilma 1 e Dilma impedida (ou golpeada), tivemos quase 25 anos de estabilidade democrática e muitos avanços sociais.

A fome diminuiu, o analfabetismo diminuiu, a democracia como prática não só de votação, mas de políticas públicas e presença de serviços públicos foi ampliada. O acesso às Universidades foi muitíssimo elevado, o que fez com que pessoas afortunadas como eu (que nasci em uma família bem estruturada de classe média) pudesse conviver com colegas de classe que não teriam chance sem FIES, PRO-UNI e outras iniciativas que geraram enorme mobilidade social.

Quando me indagam se sou favorável às cotas e se surpreendem que sou, às vezes me indagam: mas por que você é favorável se nunca fruiu de cotas?

Respondo: LEDO ENGANO.

Eu tive cota assim. Nascer em São Paulo, no seio de uma família estruturada, ser branco, hétero e ter estudado a maior parte do tempo em boas escolas particulares… Quer maior cota que essa? Definitivamente – como afirmei a Prof. Lilia Schwarcz em uma das aulas que ela ministrou à minha classe de doutoramento aqui em Portugal – EU TIVE COTA.

Como eu poderia ser contra? As chances precisam ser equalizadas e estão longe de ser. O Brasil é um país ainda escravagista, racista, machista, homofóbico e que jamais tratou os afrodescendentes e indígenas com a dignidade que merecem. As cotas não são presente: são um tímida reparação. Este ano, este tema voltará ao cenário público e político e a população precisa saber que as cotas FUNCIONAM.

Os afrodescendentes, indígenas, quilombolas e pessoas pobres chegam lá, e estando lá, fazem bonito. Não lhes falta nada…a não ser UMA CHANCE.

CHANCE ESTA que este governo federal fez e faz questão de negar, de destruir. Não existe maior modo de mobilidade social que a educação: em poucos anos, você muda totalmente a vida daquele aluno. Em décadas, você muda um país inteiro.

Por isso, quando se fala em eleições tendo de um lado o chamado Lula com Chuchu e do outro lado o candidato que promete golpe, há que se ver que não se trata de Lula ou Alckmin, mas de uma frente ampla que representa o que se passou no Brasil desde Itamar à Dilma.

Os governos de Itamar, FHC,Lula e Dilma tiveram inúmeros defeitos, corrupção e falhas, mas não eram autoritários. Nenhum tentou ficar no mandato mais do que o previsto, tampouco propôs uma virada de mesa institucional. Nenhum destes pediu o fechamento do Congresso quando lhe convinha (e só parou de pedir ao vender o orçamento ao Centrão) e nenhum propôs fechar o STF.

Nenhum diminuiu o orçamento das campanhas de vacinação (antes mesmo da Pandemia), nenhum destes afirmou que vacinas causam aids, nenhum propôs a abolição do uso de máscaras no meio de um surto, muito menos disse que o erro da ditadura foi matar pouco.

Nenhum destes governos determinou que se celebrasse o golpe militar, fez apologia à tortura, muito menos defendeu que mulheres ganhassem menos porque engravidam. Nenhum destes achincalhou nipônicos pelo tamanho do pênis, indígenas ou quilombolas ou declarou guerra diplomática ao principal parceiro comercial do país.

Nenhum destes disse que preferia que o seu filho morresse atropelado do que fosse gay, muito menos desejou a morte de um presidente enquanto este trata um câncer. Nenhum destes perseguiu intelectuais ou demitiu o presidente do INPE porque este provou o aumento das queimadas na Amazônia.

Nenhum destes governos praticou ecocídio proposital e declarado e nenhum destes contestou o resultado das urnas desde a redemocratização. A política está repleta de falhas, erros, crimes patrimoniais e corrupção, mas o autoritarismo como categoria da ciência política como nota é bem diferente desses desvios comuns à política.

O autoritarismo é a antipolítica. E o que está ameaçando a nossa jovem democracia não são os velhos políticos e sim, os velhos autoritários.

Essa é a bifurcação que teremos como eleitores em outubro de 2022.