UM BRASIL, DOIS BRASIS, UM PROBLEMA, DOIS PROBLEMAS. AFINAL, QUAL É O MAIOR DRAMA DO BRASIL: A DESIGUALDADE SOCIAL OU A CORRUPÇÃO?

A classe média brasileira (estrato social ao qual pertenço) tem há anos um diagnóstico do que seria o maior problema do país: a corrupção.

Este diagnóstico não é fruto de pesquisa ou investigação, mas meramente uma opinião decorrente das informações que orbitam os cidadãos via meios de comunicação.

Se consultamos as pessoas mais pobres, essa opinião muda bastante: a falta de serviços públicos adequados, assim como a desigualdade social passam a emergir nas respostas, já que estas pessoas não dependem de meios de comunicação para sentir estes problemas: elas sentem na pele.

A resposta existe e não se trata de opinião, mas de uma realidade detectável por dados objetivos. A desigualdade social é o maior problema do país, e dessa disparidade de renda decorrem problemas inclusive de geração de renda, pois mais pessoas com maior renda significa mais pessoas consumindo e gerando maior renda.

O Brasil está ano após ano sempre entre os 10 países + desiguais do mundo, mesmo tendo uma renda per capta média e um IDH mediano. Nosso país só perde em desigualdade para nações africanas, pontuando quase igualmente a estas nações onde existiu apartheid institucionalizado. A verdade, é que vigora no Brasil um apartheid estrutural, que os mais pobres reconhecem e a classe média não logra perceber.

Observem que em contraste ao índice GINI que mede a desigualdade social, em matéria de transparência e corrupção, apesar de não pontuar bem, o Brasil pontua bem menos pior, se situando entre o campo do meio, ou seja, entre os 80 menos corruptos dentre 180 países,ou seja, exatamente a colocação que temos em matéria de IDH.

Muitos brasileiros pensam que o que faz a Europa ser uma ilha de prosperidade é apenas o capitalismo, mas esta é uma percepção equivocada: a Europa é em muitos sentidos, menos capitalista que o Brasil. O modelo europeu mesclou a liberdade econômica com forte regulamentação trabalhista (o Uber não é bem-vindo sem limites em todos os países, por exemplo), além de um Estado presente, que fornece ao menos saúde, educação, segurança e bom transporte público.

A maior parte dos serviços é gratuita e não envolve luxo, mas sim qualidade. Se você vai a um hospital europeu (público), não vá esperando encontrar um hotel com linda recepção, mas sim, um serviço que funciona minimamente e não deixa seus cidadãos morrerem em casa com medo de contrair dividas como ocorre nos EUA.

Um europeu de renda mediana raramente cogita pagar escolas particulares aos seus filhos, visto que o ensino público é bilíngue e possui qualidade.

A classe média brasileira, ao contrário, se sente acossada: com dificuldades em se manter, pagando enormes impostos sobre o consumo, se vê obrigada a pagar por ensino, saúde, transporte e até segurança.

O resultado financeiro é que sobra ainda menos do que produz e o resultado social é que passa a conviver com as classes mais altas, almejando este status, enquanto deixa de conviver com as classes menos desfavorecidas, com quem na verdade está economicamente mais próxima.

A realidade brasileira produziu uma dinâmica bastante peculiar, onde a classe média tem status social mais próximo dos ricos (inclusive disputando empregos com estes), mas economicamente está muito mais próxima dos pobres (dada a desigualdade de renda do país).

Essa falta de contato social e percepção da sua real situação econômica, aliada à falta de entendimento de que este cenário poderia ser diferente, em geral, empurra a classe média para percepções e opções políticas que terminam por prejudicá-la (e também os mais pobres) na hora da escolha das políticas públicas.

Altamente colonizado pelo modus vivendi dos EUA, como se este fosse o único possível e o mais adequado, o brasileiro da classe média entende que a única forma de viver é não exigindo nada do Estado, desregulamentando completamente a economia, e instituindo um cada um por si que termina com um todos contra todos.

Ao defender um capitalismo selvagem, a classe média não percebe que está na verdade impondo um modelo que prestigia apenas o mais forte e subverte a verdadeira meritocracia, porque a linha de partida revela oportunidades totalmente desiguais.

O modelo pregado e adotado beneficia uns gatos pingados que são a exceção e não a regra dos cidadãos e erige uma linha de corte que se torna um abismo social intransponível.

Quando se diz que a Europa foi o berço do capitalismo para se defender que os europeus adotam a economia de mercado, em geral, se faz grande confusão de ideologias políticas e econômicas.

Primeiro, que o berço do capitalismo foi a Inglaterra, que ela própria nunca se considerou parte da Europa, sendo um país altamente insular não apenas geograficamente, mas também, filosoficamente.

A Europa continental jamais abraçou o capitalismo nos mesmos moldes que os britânicos e em verdade, foi exatamente na Europa Continental que surgiram filosofias políticas para contrariar ou ao menos amenizar as assimetrias do capitalismo.

Franceses, alemães, espanhóis, russos e mesmos britânicos social democratas e trabalhistas perceberam que o mesmo capitalismo que gerava renda, também punha crianças de seis anos para trabalhar em minas de carvão, ou mulheres em máquinas de costura por 18 horas ao dia, 07 dias por semana.

Estes mesmos cidadãos europeus, entenderam que as pessoas viveriam mais e melhor se o Estado não fosse mínimo e provesse à população (a quem quisesse) educação e saúde gratuitos.

Estes mesmos europeus, discordando da solução americana, preferiram um Estado mais intervencionista e presente e que garantisse maior regulamentação dos contratos de trabalho.

Não à toa, os EUA ostentam desigualdade social e violência brutalmente maiores que a Europa.

Não é fácil chegar a estas conclusões quando você nasceu em um estrato social que é inundado de falsas informações, ou quando você não pôde conviver com estas realidades e ainda está desligado / desconectado dos milhões de pessoas com os quais você deveria se preocupar e se identificar.

O legado da escravidão também contribuiu para esta dinâmica de todos contra todos, muito presente nos EUA, Brasil e África do Sul, visto que nestas nações o status adquire significado diferente das demais nações. Ter status social nestes 03 países não é apenas ser rico, importante ou respeitado, mas sim, garantir para si tratamento diferente do que os escravos e descendentes destes recebiam.

O desejo de se diferenciar socialmente adquire essa conotação de blindagem contra abusos e sensação de não pertencer à senzala ao brasileiro, o que explica a fúria com que tentamos consumir, mesmo nos endividando.

Neste cenário, o país sai ainda mais prejudicado por outra enorme diferença institucional para a Europa: a tributação regressiva que praticamos. E nesse sentido, os EUA se assemelham mais à Europa que ao Brasil.

Os tributos na Europa incidem com mais força sobre o patrimônio e previdência do que sobre o consumo, ao passo que no Brasil temos tributação pífia sobre o patrimônio.

As alíquotas de impostos sobre a renda e herança na Europa e EUA são abissalmente mais elevadas que no Brasil, enquanto muito menores nos impostos sobre a circulação de bens e serviços, o que não castiga os mais pobres como é o caso do sistema brasileiro.

Não é raro que europeus paguem 1/2 sobre o IR e até 7 vezes mais sobre Impostos sobre Heranças que no Brasil. E alguém quer realmente mudar isso?

Não. Não porque existe a percepção de que isso é justiça social e são sobre essas premissas filosóficas e políticas que se assenta uma sociedade mais igualitária e humana.