Amigos e leitores: limitados pelas informações que temos, premidos pela desinformação que ambos os contendores produzem em uma guerra e preso nos meus limites epistemológicos, nos meus vieses e preconceitos, tentarei esboçar as razões que realmente motivam a invasão russa. Óbvio que o post não está passando pano ou justificando as atrocidades de Putin, mas apenas tentando entender os motivos subjacentes, aqueles não ditos. Claro que posso estar parcial ou totalmente equivocado, pois a História e a Verdade precisam de tempo.

Vamos lá.

Ponto 01. ENERGIA. Parte do gás russo fornecido à Europa atravessa a Ucrânia por gasodutos, sendo que os ucranianos também consomem este gás. Quando o governo ucraniano é um aliado, tudo segue bem, mas um adversário pode impor dificuldades. Não raramente a Ucrânia é inadimplente neste consumo e a Rússia costuma ser flexível na cobrança destas dívidas, mas a possibilidade de ser chantageada por exemplo com bloqueio do fornecimento dentro do território ucraniano é uma constante. Solução para isso segundo Putin: ter um governo em Kiev que seja alinhado ou preferencialmente um vassalo seu.

Ponto 02. ENERGIA E ZONA DE INFLUÊNCIA. Os EUA descobriram recentemente enormes reservas de gás e hoje podem fornecer mais gás que a própria Rússia. Obviamente, os americanos são contra o novo gasoduto que vai direto da Rússia para a Alemanha (construído justamente para os russos evitarem as chantagens de Kiev), e têm enorme interesse em influenciar a Ucrânia para impor dificuldades aos russos. Uma prova disso é a chamada guerra híbrida, começada em 2013 e 2014, pois existem evidências que o Depto de Estado dos EUA financiou e insuflou o Euromaidan para derrubar o governo ucraniano que era alinhado a Moscou.

Ponto 03. PROTEÇÃO TERRITORIAL. Claro que a Ucrânia é soberana e deveria poder decidir entrar ou não na Otan, mas a contínua expansão desta organização, engolindo quase todos os países que pertenceram ao Tratado de Varsóvia (a Otan da ex URSS) colocou pressão sobre os russos, pois quase todos seus vizinhos têm hoje mísseis apontados para Moscou.

Ponto 04. RECOLOCAÇÃO E PRESTÍGIO. Putin considera que a UE e EUA não tratam a Rússia com o merecido prestígio, aquilatando o poderio bélico e econômico russo segundo a métrica do final dos anos 90, quando a Rússia estava quebrada. Como para Putin, a UE e EUA não lhe ouviram diplomaticamente, uma demonstração cabal de força colocaria novas cartas na mesa, e pelo medo e tamanho do porrete (arsenal militar), Putin mostraria aos europeus e americanos que ele deve passar a ser considerado. A medida também cria ruído entre EUA e UE, pois tende a gerar uma corrida armamentista no território europeu decorrente do medo de cada nação se tornar a próxima Ucrânia, o que desagrada ao mundo inteiro, e notadamente, os EUA.

Ponto 05. TRADIÇÃO IMPERIALISTA E PERSONALISTA – A Rússia sempre foi imperialista, seja no período monárquico, comunista ou agora capitalista. Mas para além da tradição russa, existe o projeto pessoal de Putin, que sempre foi belicista e ganhou prestígio internamente de forma a se consolidar no poder justamente massacrando e sufocando a rebelião dos tchetchenos (e assim ganhou o apoio de Boris leltsin), invadindo a Geórgia (e ninguém deu um pio), mantendo domínio de ferro sobre Belarus, Turcomenistão, Cazaquistão e Moldavia.

Ponto 06. INICIAR ERA MULTIPOLAR – Putin deseja romper a dependência mútua da Rússia com a UE e estreitar laços comerciais, diplomáticos e militares com a China, o que lhe concederá mais liberdade para adotar as medidas que lhe convier e desafiar a supremacia americana que reinou unipolar de 1991 até 2022.

Ponto 07 – tirar o foco das tensões e problemas internos e minimizar as chances dos apelos democráticos dos países vizinhos contaminarem a Rússia que já vive um regime que está longe de ser uma democracia.

Sei que existem massacres de minorias russas em Donbass desde 2014 e são atrocidades cometidas por ucranianos, mas dentro da lógica geopolítica, raramente motivos meramente morais são as causas reais de movimentos bélicos tão amplos e bem arquitetados.