Ao invés de invadir a Ucrânia para anexá-la, Moscou ao menos a priori, parece desejar retalhar o território ucraniano de modo a criar zonas de amortecimento no fronteira oriental. Isso criaria dois ou mais estados tampões, que poderiam ou não um dia integrar a Rússia. Mas, não dá para ignorar as consequências dessa decisão de Putin a longo prazo, que levantam ao menos as seguintes questões:

– O governo de Kiev será viável se o território ucraniano for muito retalhado, tendo em vista que grande parte dos recursos naturais ficam no leste da capital?

– Caso Kiev ainda sobreviva a essa insurreição de províncias pró – Rússia, conseguiria ainda ser aceita pela U.E, especialmente tendo votos provavelmente contrários de Polônia e Hungria?

– Terá a Otan coragem de aplicar sanções não só aos insurrecionistas mas também a Moscou?

– Terá a UE, enfim, coragem para buscar alternativa ao fornecimento de gás e assim atingir economicamente os russos?

– Conseguirão os russos substituir a UE pela China como compradora de gás e energia?

– Até que ponto as iniciativas de Moscou estimularão Pequim a preparar invasões para tomar Kong Kong e Taiwan de forma derradeira?

O historiador britânico Eric Hobsbawm costumava dizer que o séc. XX só começou de verdade com a 1. Guerra Mundial (1914-1918) e a Revolução Russa 1917). Parece claro que já podemos definir quando começou o séc. XXI: com a Pandemia do coronavírus e o movimento militar e contrário ao direito internacional mais proeminente desde a queda do muro de Berlim.

Não com base em número de mortos ou tropas, mas pelo que representa. A Rússia apontou o dedo aos EUA / Otan e com esse movimento diz: o Rei está nu. Não tenho medo das suas sanções e o xadrez geopolítico contemporâneo não é mais o da hegemonia unipolar norte-americana, mas o de diversas nações poderosas.

Um mundo multipolar pode ser mais perigoso e disfuncional que um mundo unipolar, se as regras e tratados foram tornados meros pedaços de papel.

É impressionante como dos anos 90 para cá, o mundo migrou do otimismo de Fukuyama para o pessimismo de Orwell e Cia.