Cada um de nós, uns mais, uns menos, guarda dentro de si uma besta-fera, pronta a saltar e causar estragos a estranhos ou até a quem amamos.

Também pudera, isso não é nada surpreendente: somos a espécie sapiens (de saber), mas não deixamos de pertencer ao gênero homo. Somos humanos e antes de nós, muitos humanos existiram, hominídeos e primatas (o que ainda somos, biologicamente).

Muitos pensadores trabalharam conceitualmente os impulsos que fervilham na besta-fera e podem acabar a governando não por apenas breve segundos, mas até por uma vida inteira.

Freud falava do ID, o impulso que precisa ser domesticado, enquanto Jung, por seu turno, preferia a abordagem do mergulho ao inconsciente. O ser humano que não conhece minimamente o oceano de bestialidade que habita em si, corre o risco de viver mergulhado permanentemente nele.

Os gregos antigos recorriam ao centauro: meio humano, meio equino, costumavam se render aos ímpetos sem maiores delongas e com isso, causavam sofrimento a si próprios e a terceiros.

Mas não eram condenados a essa vida: os arcos de histórias mitológicas trazem casos de Centauros que se não eliminaram a bestialidade dentro de si, conseguiram enfim, conviver com ela a ponto de sofrerem menos e causar menos dor alheia.

Este processo para aceitar o nosso lado animalesco, dialogar e entendê-lo, para enfim, conviver civilizadamente com ele era chamado por Freud de sublimação. Os esportes, o sexo sadio, sem culpa e engodos, a arte e as cerimônias de prazer legítimo, são algumas das formas de sermos momentaneamente CENTAUROS sem pisarmos na dignidade alheia, tampouco renunciarmos à nossa.

Sejamos Centauros conscientes.

Tela: Peter Paul Rubens (amores de Centauros, exposta na coleção do museu Calouste Gulbekian).