Adam MacKay é um especialista em paródias, mas em geral, paródias são gêneros que focam poucos segmentos da realidade e acabam como um samba de uma nota só, tamborilando repetidamente contra um tema ou grupo social / político.

Em NÃO OLHE PARA CIMA, seu último filme, McKay conseguiu algo raro, mas que já ocorria desde as óperas sarcásticas de Mozart: incomodar para valer TODO MUNDO: eu, você… Nós!

Não focarei no NEGACIONISMO, tema mais aparente do filme, e que como consequência pós-moderna, tem sido tomado para si até por negacionistas alegando que os negacionistas de verdade (pasme, o mundo tem afinal salvação? ) são os cientistas que alertam que não existe tratamento precoce para a infecção da covid, só para ficar em um exemplo.

Mas gostaria de ir mais a fundo no filme. Uma das paródias subjacentes e que menos têm sido abordada pelos críticos e internautas é sobre as consequências da sociedade de mercado.

Assistindo ao filme, foi impossível não se recordar de Adorno, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Habermas entre outros grandes pensadores que nos últimos 120 anos vêm estudando a sociedade capitalista.

A característica maior do capitalismo – ao contrário do que os otimistas pensam – não é a liberdade (é preciso ser inocente para crer nisso), mas sim, sua capacidade infinita de deglutir tudo a sua volta.

Alguns chamam esse processo de autofagia do mercado. Se ele tem um inimigo (digamos Che Guevara), o que ele faz? O torna um produto. Para que o combater frontalmente se podemos vender bonés do inimigo?

As redes sociais – como filha caçula da sociedade de mercado – levam essa máxima ao extremo, canibalizando desde a bondade, a inteligência até a tragédia. Se o cometa está vindo, neguemos e vendamos a negativa. Se não dá mais para negar, aceitemos a tragédia, mas não sem vender a aceitação. Se alguns sentem o luto, vendam o luto. Transmitam o luto. Se outros querem apenas transar, divulguem e vendam o sexo livre pré-apocalíptico.

O capitalismo sem nenhum limite é literalmente a fome de Erischton, que segundo a mitologia grega, é a fome que começa vendendo os filhos e termina comendo as próprias mãos para saciar essa fome febril.