Com a onda populista que varreu o mundo nos últimos dez anos, vem um pacote de catalogação destes líderes políticos com alto apelo eleitoral. Um dos emblemas que mais se vangloriam de empunhar é o de serem antissistema, ou como prefere a intelligentsia, serem anti-establishment.

Um dos argumentos que Trump, por exemplo, mais gosta de utilizar é o de que os institutos de pesquisa são desonestos, repletos de fraudes e useiros e vezeiros de práticas da realpolitk para prejudicar os adversários da virtude. Obviamente que Trump se coloca como um dos portadores da virtude.

Mas o quê será que explica a disparidade entre as pesquisas que sempre mostram populistas como Trump abaixo dos resultados que efetivamente obtém nas urnas? Será mesmo uma confabulação entre todos os institutos de pesquisa? Uma fraude homogênea e coletiva para esconder da América que Trump é na verdade muito maior do que parte dos americanos gostaria?

Certamente que não.

Recorramos à navalha de Ockham, preceito escolástico segundo o qual na maioria das vezes as hipóteses que exigem mais energia e explicações são em geral também as menos prováveis para explicar fenômenos. Há quem possa lançar ampla luz sobre o fenômeno Trump nas pesquisas ser menos potente que o fenômeno Trump nas urnas: a ciência de dados, especialmente, os metadados virtuais.

Na sagaz obra “Todo mundo mente”, o pesquisador de dados Seth Stephens-Davidowitz demonstra o motivo de pesquisas públicas presenciais falharem fragorosamente para monitorar eventos públicos: as pessoas mentem, e mentem pelos mais variados motivos.

Indagados presencialmente, os maridos americanos revelam manter centenas de dias de relações sexuais com as suas esposas, ou seja, seriam um furor, uma nação de vulcões sexuais. Mas, o quê o google revela nas suas pesquisas anônimas e na calada da noite? Uma torrencial chuva de buscas das esposas questionando: “por que meu marido não faz sexo comigo?”

Quem afinal diz a verdade?

O maridão, envergonhado na frente do pesquisador ou a esposa sozinha com seu smartphone ao lado de seu marido que ronca ao invés de praticar jogos sexuais? Stephens-Davidowitz lança luz sobre o comportamento humano de forma que nem a psicanálise talvez tenha o feito: mentimos o tempo todo e não são meras mentiras sociais. Já sabíamos que o sapiens era fofoqueiro, mas não sabíamos ainda que mentia tanto!

Populistas como Trump oferecem ao eleitor a possibilidade de hiperidentificação: o candidato dá ao eleitor a possibilidade de ele poder ser o que o próprio é com todos os seus defeitos. É como se a campanha dissesse: venha, eu lhe aceito sem restrições! Trump, nesse sentido, é como a mãe matrona que nunca educa seus filhos, mesmo quando estes esbofeteiam os filhos dos vizinhos.

A sociedade funciona a base de diversas hipocrisias, algumas maléficas e outras necessárias para que o sistema não degringole. Imagine, por exemplo, líderes afirmando na pandemia: “não usem máscaras (se bem que isso já não é mais teoria…)” Tenha certeza: muitos, intimamente concordarão. Outra: “odeio pagar os impostos. Sugiro não pagarmos mais” (opa… essa também aconteceu). Quem discordaria?

O populista oferece uma conexão emocional empática no sentido de dizer ao eleitor: “vote em mim, eu sou igual a você. Não sou hipócrita como esses políticos profissionais etc.” A proposta é mesmo tentadora, porque nas democracias contemporâneas, são raros os eleitores que votam pensando no todo e comuns os que votam pensando em si. Neste sentido, o populismo usa os instintos mais básicos do ser humano contra a própria democracia, porque ele lança uma isca que quase todos morderão. “Uau, esse cara pensa como eu! Ele é como nós etc.”

Mas ainda há uma ponta solta: e onde entram as pesquisas? Pois é: uma parte do eleitorado compra essa ideia e passa a defendê-la publicamente sem pensar que uma sociedade que não usa máscaras em pandemias ou que não paga seus impostos fracassará rotundamente, mas uma parte considerável do eleitorado concordará com todas as assertivas, mas… não terá coragem de defendê-las publicamente e se passar por um “egoísta”, “antissocial”, “inculto” ou até, “caipira”.

Aí se explica o gap entre as pesquisas presenciais e a realidade das urnas. Se ao invés dos institutos perguntarem presencialmente aos eleitores, passassem a monitorar as pesquisas junto aos sites de busca, veriam que a realidade não é a declarada, mas um misto da declarada com à subjacente à alma humana, bastante inclinada a mentir por sentir vergonha das próprias deformações morais, especialmente se estas forem antissociais.

O quê isso significa?

Significa que temos na sociedade muito mais pessoas egoístas, mentirosas e também desencantadas com a política profissional que supúnhamos e que os populistas prosseguirão demonizando os institutos de pesquisa até que estes criem formas de aferição mais precisas, sob o risco de serem cada vez mais ridicularizados.

Trump e outros populistas não riem apenas das pesquisas, riem do próprio êxito eleitoral, sabidamente porque ele é alicerçado não em um pacto com a sociedade ou com o coletivo dos seus eleitores, mas sim, porque sabem que cada um dos seus eleitores individualmente é capaz de trair a coletividade em prol de si mesmo e declarar publicamente o oposto disso.

A mentira social, a hipocrisia e o egoísmo são as explicações que procuramos e a raiz de tudo isso, e a satanização da política e da própria democracia são consequências destas explicações. No fundo, o ser humano precisa ainda evoluir moralmente e se conhecer melhor intimamente, objetivo que agora pode ser melhor definido e mais facilmente alcançado se usarmos a ciência de dados como farol de nossas deficiências e incoerências morais.

Não, não são os institutos de pesquisa que mentem: somos nós mesmos, os eleitores.