Os movimentos políticos podem se movimentar como pêndulos, ora havendo a prevalência de determinada corrente política, ora de outra. No mundo ocidental, desde o iluminismo, podemos pinçar sem maiores delongas ao menos três formas distintas de enxergar e organizar o mundo político: progressistas, conservadores e liberais.

A definição e a distinção destes três matizes ideológicos não é fácil, especialmente porque oscilam ao longo das décadas e da geopolítica de cada nação. Com o surgimento das sociedades de massas no século XIX e com a adoção da democracia por dezenas de nações no séc. XX, as lideranças políticas aspiraram a obtenção de rótulos mais emblemáticos, que criassem aderência automática com seus eleitores, não raras vezes, incapazes de compreender até a separação de poderes, o que se dirá então de nuances de filosofia política.

Assim, erigir o debate político ao binário direita x esquerda, surgido em meio à Revolução Francesa (1789), se tornou uma ótima pedida aos políticos do séc. XX, especialmente após o surgimento do populismo atual, que para boa parte dos historiadores, advém do líder argentino Juan Domingo Perón no contexto do pós-Segunda Guerra. Em um cenário onde o grosso da população consegue enxergar no máximo duas cores, oferecer uma paleta multicolorida dificultaria campanhas políticas e identificação com candidatos.

Paulatinamente, o debate político foi se simplificando, se tornando mais precário e com menos nuances, até termos algo como: a direita defenderia a família tradicional e heteronormativa, o porte de armas de fogo, a economia desregulamentada, a criminalização do aborto, a criminalização do usuário e portador de drogas, a pena de morte e o patriotismo. A esquerda, por seu turno, defenderia as minorias, qualquer forma de família, o desarmamento, a regulamentação da economia, a descriminalização do porte de drogas, seria contra a pena de morte e aspira a globalização.

Mas será que a distinção entre as ideologias e visões de mundo se resume a isso? Os líderes políticos e seus marketeiros instituíram uma nova forma de se fazer e vender a política: por meio dos combos ideológicos.

Tal qual um restaurante de fast food, o “consumidor” não pode escolher as particularidades, ele tem que comprar o todo ao invés das partes. Qual seria o problema em se defender o casamento homossexual e a pena de morte ao mesmo tempo? Ou de ser favorável a descriminalizar o aborto mas defender a economia com poucas intervenções?

A dinâmica que tomou conta do debate político em grande parte das nações ocidentais se tornou binária e quando alguém traz o cinza para o branco x negro, ocorre bug identitário. Ou você é “Lula livre” ou você é “Deus Acima…”. O surgimento da era informacional, com rádio e televisão, criou o chamado homo videns, expressão do pensador Giovanni Sartori, ou seja, uma criatura mais afeita à imagem que qualquer outra forma de expressão.

Com o advento da internet, este processo fora alavancado à enésima potência, e gradualmente, as campanhas políticas substituíram os panfletos por memes, o que empobreceu ainda mais a linguagem, reduzindo mais drasticamente a possibilidade de enxergarmos nuances: Basta observarmos as últimas campanhas eleitorais nas principais democracias ocidentais: especialmente, após a adoção do whatsapp, substituímos as antigas batalhas de dossiês por uma guerra memética.

Quanto mais reducionista for o meme, mais chance terá de gerar aderência e ser viralizado. E o debate? E as nuances? Na linguagem memética, inexistem. Temos o holocausto dos argumentos. Na lógica do combo prevalece o nós versus eles, o bem versus mal. O drama dessa lógica é que ela extermina também a recordação aos eleitores e políticos de que passada as eleições, os lados opostos terão que efetuar concessões mútuas.

Assim funciona a democracia: o vencedor não poderá governar exatamente como sugeriu e o derrotado terá que ceder exatamente onde afirmou que faria completamente diferente. Ao abdicarmos da obrigatoriedade de fazermos concessões mútuas, ao tratarmos quem pensa diferente como inimigo e ao tentar liquidar ideias distintas das nossas ao invés de convivermos, estamos aderindo a um sistema que é mera democracia formal, mas em essência, é simplesmente a tentativa de imposição aos demais daquilo que consideramos correto.

Por trás deste dinâmica está a lógica tribalista que regeu o mundo por milênios e que claramente não funciona mais. Os problemas contemporâneos são complexos demais para adotarmos medidas drásticas e soluções tribais. Problemas econômicos, ambientais, sanitários e bioéticos demandam soluções multilaterais. Não à toa, pensadores como Joshua Greene defendem a adoção gradual de um sistema moral multilateral, conhecido por metamoralidade.

Para que a minha forma de pensar seja sempre respeitada, necessariamente preciso respeitar as demais formas de enxergar o mundo e lutar também pelas quais não acredito possam ser levadas em conta. No multilateralismo, não pode haver prevalência. Não somos binários e a verdade das coisas está muito além dos slogans políticos ou das plataformas identitárias, visto que em uma sociedade globalizada, a única supremacia tolerável é a dignidade para com as ideias alheias.