O termo conservador fora completamente corrompido pelo uso sem a devida cautela. Seu significado em filosofia política se perdeu, pisoteado pela multidão e brandido por políticos como lâmina ideológica até se tornar uma faca cega. Se até 20 anos atrás, conservador já era um adjetivo desairoso, hoje, chega a ser xingamento.

Com a ascensão mundial da chamada nova direita, o termo ficou ainda mais em evidência. Simplesmente os líderes de 04 dos países mais importantes do mundo definem a si próprios como conservadores: Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil, Boris Johnson no Reino Unido e Matteo Salvini na Itália (este deixou o poder dois anos atrás mas é ainda muito forte). Centenas de políticos, figuras públicas e milhões de eleitores votaram nestes líderes justamente porque entenderem que são conservadores. Mas, será que o são efetivamente?

Há evidências fortes de que não são, não ao menos, se partirmos da raiz do conservadorismo e especialmente se confrontarmos as atitudes e pensamentos destes líderes mencionados à luz do que pensaram as figuras arquetípicas do conservadorismo. Temos duas figuras de proa do chamado conservadorismo: o escocês David Hume e o irlandês Edmund Burke.

Hume defendia o empirismo, isto é, discordava frontalmente de quem considerava possível compreender o mundo somente a partir da razão e entendia que somente a experiência pode nos ensinar algo (inclusive a científica). Como não poderia deixar de ser, tinha sérias reservas com guinadas bruscas, rupturas e nutria grande desconfiança quanto à adoção de soluções de reengenharia social.

Hume sempre fora vacinado contra o idealismo do iluminismo francês e se não guardava grande estima pela entronização da razão, não se curvava também completamente à religião. Alicerçado nesta postura de equidistância às ideologias políticas e às religiões, Hume erigiu o ceticismo à qualidade desejável a quem almeja ser um conservador. Uma mente conservadora, segundo Hume, portanto, seria prudente, desconfiada e seguramente cética quanto a uma porção de ideias prontas. Hume instituiu um arcabouço filosófico do qual podemos todos discordar, mas seguramente é um excelente antídoto contra o fanatismo. O escocês morreu antes da revolução francesa (1789) e portanto, não viu o radicalismo da razão e das ideias contratualistas se materializar e deitar rios de sangue em meios às ruas e prisões de Paris.

Mas alguns dos seus discípulos assistiram e não gostaram do que viram: Burke, por exemplo, assinalava que a sociedade se faria a partir de um pacto entre os mortos, os vivos e os que não nasceram, ou seja, um construto milenar a partir da sedimentação de hábitos, costumes, inovações graduais, alguns avanços e outros retrocessos. Pode-se dizer que para Burke, nenhuma teoria de gabinete poderia controlar um ente orgânico como a sociedade, e que em geral, as tentativas de controle fariam mais mal do que bem. Há alguma controvérsia se Burke seria liberal ao invés de conservador, mas atualmente, grassa o entendimento de que seria um dos pioneiros do conservadorismo, um anti-idealista, por assim dizer. Podemos afirmar que por ser a sociedade um pacto entre mortos, vivos e não nascidos, que certamente Burke não consideraria produtivo tentar reescrever a história, afirmando por exemplo ter inexistido ditaturas militares onde houve, não concordaria em se receitar aos vivos drogas que não funcionam no meio de uma pandemia, tampouco recomendaria a depredação do meio ambiente, se o pacto da sociedade ocorre também para com os não nascidos.

E não podemos deixar de citar o escocês Adam Smith, que embora esteja mais ligado ao pensamento liberal, não deixar de estar associado ao conservadorismo e nutria imenso respeito por Hume e Burke. Smith cunhou frases e lições célebres e embora tenha se tornado mais famoso por suas teorias econômicas, era um filósofo moral. Uma de suas lições dizia que a ciência era um grande antídoto contra o entusiasmo excessivo e as superstições.

Eis que chegamos em Trump, Bolsonaro, Johnson e Salvini, os quatro com algumas diferenças, mas imensas semelhanças na forma de se comunicar com os seus eleitores e provavelmente, de enxergar o mundo, as instituições, a ciência e certamente, o papel de um líder político.

Trump peca no mínimo pela falta de prudência e modéstia, predicados que não faz a menor questão de nutrir diariamente em suas declarações. Bolsonaro desdenha o conhecimento acadêmico e fruto de milênios (desde a adoção das Universidades na Idade Média) dia sim e no outro também. Johnson fez pouco caso da pandemia do corona vírus até ser derrubado violentamente pelo vírus e chegamos em Salvini, que a despeito dos estudos sólidos demonstrarem a necessidade econômica de imigrantes em uma Europa que encolhe demograficamente, prossegue afirmando que as crises econômicas italianas são culpa dos imigrantes.

As evidências sugerem que nenhum dos quatro é verdadeiramente um conservador, e muito menos tenham qualquer ligação com as ricas ideias provenientes do iluminismo britânico, estando muito mais próximos do populismo barato de um Perón, por exemplo, que da elegância e apego aos fatos dos pensadores citados. Bons conservadores estão em falta na política contemporânea e o bom debate demanda essa pluralidade de ideias, sejamos progressistas, liberais ou conservadores.