Charles Delfante, de forma provocativa, nem por isso menos sincera e verdadeira, afirmou em sua magistral obra A Grande História da Cidade que talvez as cidades não existam mais. Como assim? – deve estar se perguntando o leitor.

Delfante recorda que a cidade não é sinônimo de município. Cidade é muito mais que um conceito geográfico ou jurídico. A cidade é mais que espaço territorial ou mera moradia.

Recorramos aos gregos: para Platão e Aristóteles, a cidade tem como função tornar os seres humanos algo melhor, e o indivíduo, por seu turno, tem que atuar para gerar cidades melhores em um processo filosófico de retroalimentação de virtudes cívicas. Em nosso crônico cronocentrismo, sendo todos nós nascidos após a adoção do modelo de Estados Nacionais, que evidentemente enfraqueceram a força das Cidades-Estado, nos esquecemos que diversos conceitos que utilizamos nasceram nas cidades: a cidadania, por exemplo.

O que é um cidadão senão alguém dotados de direitos e obrigações inalienáveis? Trata-se de um conceito muito caro aos precursores gregos e que foi levado a última potência durante o iluminismo. A cidade, portanto, não é simplesmente um endereço, um CEP ou um local para onde a Amazon envia suas encomendas. A cidade é a chance da humanidade desenvolver a mixofilia (vontade de se misturar com os diferentes) e combater a mixofobia (medo de se misturar com os diferentes), é o espaço perfeito para desenvolvermos a tolerância e como Freud lecionava, sublimarmos nossos piores instintos e aguçarmos nossos melhores.

A cidade é a comunhão de propósitos entre milhões de indivíduos, que podem atuar de forma a somar todas a suas particularidades em prol do bem de todos, é ainda o espaço onde colaboração e competição podem ser dosadas e calibradas de forma a extraírem o melhor de todos de forma civilizada.

Não à toa, Lewis Mumford dizia que a cidade nasceu do avanço da criação de recipientes para armazenar insumos e estoques e ela própria, em seguida, se tornou um recipiente de culturas: a cidade, sem sombra de dúvida, é a maior criação humana.