A visão de um crânio tem elevado valor pessoal para mim.

Seja para o ensaísta Montaigne (todos os dias conduzem à morte), seja para o budismo (impermanência), seja para a cristandade (a carne perece), a visão craniana é um lembrete nada sutil que podemos exercitar diariamente: quem vive como se não fosse morrer, corre mais riscos de viver de forma tola.

A eternidade pode ser um sonho para alguns, justamente porque vivem adiando a felicidade. Quem se recorda de algum vampiro (na mitologia, sempre eternos) feliz na história da literatura? A eternidade – enquanto aspiração – pode ser legítima na seara biológica, coisa que a possibilidade de deixarmos descendentes sanou em parte. Mas quem realmente encara concretamente as consequências de teoricamente sermos imortais?

É exatamente a dimensão da mortalidade, de que nosso tempo é limitado que nos permite sermos sábios ao decidir como utilizar o hiato cronológico que teremos: as arfadas de ar, entre o parto e o caixão. Viver sem ter data para partir é certamente se permitir adiar todas as decisões realmente essenciais em uma existência, o que pode reduzir uma vida a um monte de atos encadeados sem qualquer significado para si e para os outros.

Para além do vazio existencial – que pode existir nas vidas mortais – quem fosse eterno (e os que são mortais mas que vivem como se fossem eternos) são mais propensos a serem tolos. Explico: tolices todos cometemos e cometeremos, mas a morte – mais que dor, perda e luto – dá significado à vida, ao que amamos e aos valores pelos quais lutamos.

A morte está muito longe de ser a pior desgraça que pode nos acontecer: todos que se foram podem ter vivido de verdade, ao passo que vários de nós que estão clinicamente vivos, podem estar existencialmente mortos. A morte está longe de ser uma aniquilação: ideias, ideais, preceitos, princípios e propósitos podem vencer a morte, mas o vazio, a covardia absoluta e a egolatria, podem matar mais que a própria morte.

A morte, embora inevitavelmente triste tem sua função: só a perspectiva do zunir da foice da dama de negro nos impede de sermos completamente entediados e idiotas.