Impressoras 3D, nanotecnologia, inteligência artificial, interface entre máquinas e seres humanos, cidades inteligentes, carros autônomos, moedas virtuais, contratos autoexecutáveis, eis apenas alguns dos itens que deixarão de ser meras elucubrações de ficção científica para se integrarem nas nossas vidas com imensa intensidade nos próximos dez anos. A interação com todos estes aparatos tecnológicos, obviamente, não será homogênea, como é de se esperar e como foi o que ocorreu nas revoluções tecnológicas anteriores. Os grandes centros comerciais, tecnológicos, informacionais e financeiros iniciarão os últimos (ou primeiros? quem sabe…) estágios da quarta revolução industrial e a seguir, ondas irradiarão às nações periféricas.

É fato que as três revoluções industriais anteriores também despertaram temor na humanidade e acenderam o pavio da progressofobia, quais sejam: o vapor / carvão no século XVIII, a eletricidade no século XIX e o computador no século XX. Mas há algo diferente no andamento desta revolução, que chamamos de quarta revolução industrial: por que o pavor pelo progresso é maior que para com as anteriores?

Para compreender o medo que essa atual revolução desperta, temos que ao menos, entendê-la minimamente: a qualidade mais marcante da quarta revolução industrial não é apenas a difusão da internet e a possibilidade de transmissão de dados de forma exponencial. Não, isso já ocorreu antes. Quando a escrita foi criada na Suméria (cerca de cinco mil a seis mil anos atrás), a maior parte dos dados desvanecia. De repente, os dados passaram a ser transmitidos de pessoa para pessoa, de departamento para departamento e até de geração para geração, o que até hoje é o maior trunfo da humanidade.

Quando Johanes Gutemberg criou a prensa tipográfica no século XV, a transmissão de dados atingiu estrambólica elevação. Ora, mas se não falamos da profusão de dados, o que então torna a revolução industrial 4.0 algo inédita e assustadora?

A resposta é a CONVERGÊNCIA das revoluções anteriores e a possibilidade de uma SINGULARIDADE BIOTECNOLÓGICA.

Quando o vapor e o carvão surgiram, não havia eletricidade. Quando surgiu a eletricidade, faltava o computador. Quando surgiu o computador, faltava a internet e o avanço das ciências biológicas. Estamos em 2020 e isso mudou.

Em nosso atual estágio tecnológico, a convergência destes ramos do conhecimento, desde a internet de altíssima velocidade aos computadores com processadores de elevada velocidade, até a edição caseira de genes pelo sistema crispr, todo o conhecimento adquirido pela humanidade em sua jornada pode agora ser reunido e aplicado… nela mesmo.

Como Yuval Harari e Michael Sandel alertam em suas obras, a humanidade está a um passo de deixar de ser humana.

Entra aí o conceito proposto por Dominique Lecourt: haverá uma essência humana estável? Ou essa ideia não passa de uma quimera jamais estabilizada em dois milhões de anos evoluindo como gênero (e duzentos mil anos como espécie)? A progressofobia que estamos vivenciando nasce aí certamente: o medo de sermos tragados pela evolução que deflagramos e deixarmos de ser humanos para sermos algo que não sabemos ainda o quê será.

A possibilidade de edição genética caseira, acessível e já vendida em milhares de lotes nos EUA, tornou cada cidadão potencialmente um mini Deus ou mais apropriadamente, um Victor Frankstein, que trocou o castelo por uma garagem.

Até nisso, a revolução digital difere das três revoluções anteriores, deflagradas pela elite econômica e cultural de seu tempo: na revolução 4.0, as mudanças não virão apenas de cima para baixo, mas de qualquer direção.

Assustador, não?